Contos negros para os filhos dos brancos (2015)

Direção Artística e Encenação de Laurinda Chiungue com a colaboração de Rogério de Carvalho


O espetáculo Contos negros para os filhos dos brancos é uma viagem através da obra homónima de Blaise Cendrars, a três vozes e sonoridade acústica, que cruza demandas de identidade, pertença, lugar, sustento, justiça e respeito pelo equilíbrio da natureza. 

Do mergulho no cativante universo simbólico do autor, envolto na tradição oral africana, ao trampolim para a inclusão e a multiculturalidade, num movimento fluído: pois a matéria dúctil dos contos presta-se a qualquer tempo e à contemporaneidade; a onde houver vazio, devastação, escassez, e gente a ter de superá-las. 

No espetáculo, os contos acompanham três viajantes perdidos que tentam, ao narrá-los, saciar a fome. Como se ao falar nas lendas do mel já o estivessem a saborear… Será que a imaginação é alimento?... Um espetáculo sobre a arte enquanto "nutriente".

NO ESPETÁCULO CONTOS NEGROS PARA OS FILHOS DOS BRANCOS

Nos Contos negros para os filhos dos brancos , de Blaise, é a obra "Petits Contes nègres pour les enfants des blancs", que nos seduz com a ponte que torna visível à cultura literária ocidental a riqueza da tradição oral de certa África, onde os griots marcavam o ritmo. Blaise mestiça-se ao veicular essa cultura, e tal interessa-nos.

Ele faz o mesmo quando se encanta pelo Brasil, pela lusofonia, por Ferreira de Castro, o autor de A Selva, que ele traduz para francês. Surge na nossa genealogia, por via da revista Portugal Futurista, na qual participou, enquanto irmão modernista de Pessoa, Santa Rita ou Negreiros. O título queima, não se fica indiferente, pode assustar, mas isso atraiu-nos. Os contos negros são-no, não só por serem oriundos da África profunda, mas porque são inquietantes, cumprindo a função de manter alerta os ouvintes reunidos à fogueira no mato à noite, e prevenindo-os do ataque de feras. Mas, "para os filhos dos brancos", seria uma referência aos filhos dos colonos europeus. Não. Blaise diz brancos referindo-se aos anciãos da tribo, como no título de um livro seu "comment les Blancs sont d'anciens Noirs", e sugerido na dedicatória serem público dos contos "as crianças grandes", os adultos. Se para o público europeu da época o título suscitava curiosidade mas não chocava, hoje, aqui, que eco provoca?

Quotidianamente, em nome da equidade, cai-se no ignorar do óbvio: cala-se a cor. Não será racismo subtil? Fossem, ou não, os anciãos negros chamados de brancos, Blaise usou a duplicidade, nada inocente, dos termos na divulgação. Hoje, nós. Alguma apreciação do texto critica-lhe o preconceito implícito da realidade colonial: serem contos carregados de misticismo, e logo, retrato de subdesenvolvimento e incapacidade de autonomia. Cremos que esta avaliação usa a grelha errada para leitura da obra, despreza os seus papéis quer catártico e de integração na cultura de origem, quer o seu valor artístico transversal, e peca por egocentrismo. 

Nos contos fala-se da vida da comunidade, da sua inserção no meio circundante, sente-se uma consciência ecológica manifesta no carácter amoral mas consequente da natureza. Não são bem fábulas embora os animais falem, pois não estão em lugar do homem; os animais são a natureza na sua força. Valores como a solidariedade ou o valor da experiência, a justiça ou a integração na comunidade trespassam as narrativas. Vislumbra-se o flagelo da fome, e o engenho do homem a contrariá-la. Dar voz aos Contos Negros é revelar uma herança de contributos sociais, ambientais, artísticos. Tal como Blaise em 1928, acreditamos ser esta partilha uma mais valia na formação de uma consciência respeitadora, inclusiva e solidária, cada vez mais urgente numa sociedade tendencialmente multicultural.


Ficha Técnica

Direção Artística e Encenação: Laurinda Chiungue

Intérpretes: Laurinda Chiungue, Lavínia Moreira, Teresa Gentil

Adaptação dramatúrgica: Lavínia Moreira

Música e composição: Teresa Gentil

Cenografia e Objetos cénicos: Delphim Miranda

Desenho de Luz: ARTICACC

Produção Executiva: Teatro ABC.PI

Fotografias: Sandra Ramos

Agradecimentos: David C. Pereira de Almeida, Rogério de Carvalho, Martha Cardozo, Shaike Omra,

Ricardo Borges Rodrigues, Rodrigo Brito.


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